sábado, 18 de julho de 2009

Solange

Não era de hoje que Solange se sentia nostálgica. Tudo o que fizera naquele dia que se encerrava, até o presente momento, a lembrava de coisas que não tinha e de épocas em que nunca vivera...
Sentira-se uma Marquesa ao tomar seu café, sua louça barata, talhada e lascada parecera-lhe louça chinesa da mais fina, herança de família. Enquanto passava Qualy numa torrada envelhecida sentia falta das pessoas que ocupariam os poucos lugares daquela mesa luxuosíssima. Barões, Duques e até mesmo El Rey, por qué no? Sentia uma falta de fato pesarosa daquelas pessoas de quem nunca recebeu noticias, nem julgara existir.
Enquanto varria a casa, sentia os grilhões que arrastavam pelo chão seguindo os seus paços e amaldiçoando-os com dor. Sentia o sangue escorrer pelas feridas abertas pela chibata e ouvia os gritos altos e ensandecidos de seus irmãos que inutilmente tentavam resistir ao feitor. Até se pegou cantando uma velha cantiga nagô a qual com certeza nunca havia escutado. E ao cantar, um canto de amor, um canto de dor, chorara.
Chorava agora de felicidade, ao lembrar da neve branca que caía lá fora, ainda que a sua janela enquadrasse apenas a areia branca da praia de Copacabana. E como sentia o prazer de rolar na neve, de ver os bonecos que fazia aos risos com o pai e as três irmãs de cabelos claros como os seus. Mas era filha única, negra e nunca conhecera o pai. Sabia que se chamava Adalberto, talvez Odyr, não conseguia lembrar-se...
Ficou com medo daquela sensação de nostalgia fatídica quando seus dedos dedilharam a mesa clamando pelo piano, quando seus pés dançaram a polca que não se ouvia e sentia a tristeza de olhar o saloon vazio. Sem saber como nem porque pegou-se sentindo frustrada pela visita prometida que não veio, enraivecida por diversas trapaças, e apaixonada, enloquecidamente apaixonada pro Pierce, o flautista, Henry, o tenente da marinha britânica, Jean, Thomas, Miguel...
Lembrou-se então de Jairo, o namorado que provavelmente viria buscá-la mais tarde, às nove. Sentia a diferença entre a brisa marítima e a brisa sorrateira do porto de Boston, cidade em que nunca pisou mas que seria capaz de descrever milimétricamente.
Solange então caiu em si e chorou ainda mais. Chorou por ver que até aquele momento dessa existência, não fizera nada digno de ser lembrado, chorado ou sentido num futuro próximo ou não.

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