quarta-feira, 22 de julho de 2009

Noites traiçoeiras

Pegue os meus tecidos, minhas moedas e minhas jóias e queime diante de todo o povo.

Abra a porta da frente e que por ela saíam homens livres e de bem, que antes se chamavam apenas "servo", "escravo".

Solte o meu rebanho, queime meus pastos e faça ruir, pedra a pedra, todos os meus castelos.

Se indagarem insanidade, rirei doce, febril, e pedirei a tua permissão para responder que o meu único bem é inigualável a qualquer outra coisa que habite esse mundo e que cedo em lucidez ímpar tudo o que foi, é e seria meu apenas para ouvir o barulho da tua respiração tranqüila numa noite de tormenta.

Odete

1- Mas, Odete que menina linda!

2 -Filha de puta, filha da puta.

3- Odete, que menina prendada!

2- A mãe não valia nada e como a puxou, a danada...

5- Odete, mas como dança!

2- Nas zonas era embaixatriz, na cama uma verdadeira atriz. À julgar pela filha, não se duvida do que diz.

7- Sem pretendentes? Mas ora como, Odete?!

2- Vai ser puta, só fala e quer ser puta.

8- Faz melhor que todas nós.

domingo, 19 de julho de 2009

Menino dos reflexos

Ele sempre achava que daquela vez, sim, daquela vez tudo seria diferente.
Ele buscava se ver pelos olhos dos outros, queria ser o reflexo do espelho e não o ser a o encarar no lado realidade.
Talvez fosse por isso que o menino buscasse em si as respostas para todas as suas frustrações, para a vida que levava diferentemente da maneira desejada.
Ele achava que as incompatibilidades com aqueles que sua cabeça sismava em querer pensar como, eram na verdade frutos de defeitos seus.
E ele se punha a, sempre como espectador daquele reflexo anônimo, corrigir-se.
Hábitos, postura, físico, o que quer que parecesse diferente na imagem que via refletida.
Mas as incompatibilidades dessa vida não foram traçadas nesse plano.
E têm o corpo fechado para qualquer santo que tente interferir em seus assuntos.
O que podia então o menino, que sequer tinha algo de divino?

sábado, 18 de julho de 2009

Solange

Não era de hoje que Solange se sentia nostálgica. Tudo o que fizera naquele dia que se encerrava, até o presente momento, a lembrava de coisas que não tinha e de épocas em que nunca vivera...
Sentira-se uma Marquesa ao tomar seu café, sua louça barata, talhada e lascada parecera-lhe louça chinesa da mais fina, herança de família. Enquanto passava Qualy numa torrada envelhecida sentia falta das pessoas que ocupariam os poucos lugares daquela mesa luxuosíssima. Barões, Duques e até mesmo El Rey, por qué no? Sentia uma falta de fato pesarosa daquelas pessoas de quem nunca recebeu noticias, nem julgara existir.
Enquanto varria a casa, sentia os grilhões que arrastavam pelo chão seguindo os seus paços e amaldiçoando-os com dor. Sentia o sangue escorrer pelas feridas abertas pela chibata e ouvia os gritos altos e ensandecidos de seus irmãos que inutilmente tentavam resistir ao feitor. Até se pegou cantando uma velha cantiga nagô a qual com certeza nunca havia escutado. E ao cantar, um canto de amor, um canto de dor, chorara.
Chorava agora de felicidade, ao lembrar da neve branca que caía lá fora, ainda que a sua janela enquadrasse apenas a areia branca da praia de Copacabana. E como sentia o prazer de rolar na neve, de ver os bonecos que fazia aos risos com o pai e as três irmãs de cabelos claros como os seus. Mas era filha única, negra e nunca conhecera o pai. Sabia que se chamava Adalberto, talvez Odyr, não conseguia lembrar-se...
Ficou com medo daquela sensação de nostalgia fatídica quando seus dedos dedilharam a mesa clamando pelo piano, quando seus pés dançaram a polca que não se ouvia e sentia a tristeza de olhar o saloon vazio. Sem saber como nem porque pegou-se sentindo frustrada pela visita prometida que não veio, enraivecida por diversas trapaças, e apaixonada, enloquecidamente apaixonada pro Pierce, o flautista, Henry, o tenente da marinha britânica, Jean, Thomas, Miguel...
Lembrou-se então de Jairo, o namorado que provavelmente viria buscá-la mais tarde, às nove. Sentia a diferença entre a brisa marítima e a brisa sorrateira do porto de Boston, cidade em que nunca pisou mas que seria capaz de descrever milimétricamente.
Solange então caiu em si e chorou ainda mais. Chorou por ver que até aquele momento dessa existência, não fizera nada digno de ser lembrado, chorado ou sentido num futuro próximo ou não.
Eu não quero ser a tua paz. Eu quero ser a tua revolta. Quero deixar o teu corpo crispar com o frio do inverno polonês e no encolher das tuas pupilas, que estarão a dois centímetros da minha, o pedido da acolhida. Só pra te negar. E te negarei tantas vezes quanto necessárias para que o dia da aceitação se faca inesperadoprofundo(até)amável. Tão perfeito que se torne inesquecível, que se cristalize em estrela no céu e alugue um neurônio da tua memória para que não se esqueças jamais.
Mas o meu negar será acompanhado de beijos disfarçados de carinhosos, de carinhos em prática que não o serão na teoria e abraços longos travestidos de afetuosos.
Você vai ser o meu vinho de antes de dormir e eu serei o teu champagne de celebração e júbilo. Mas o gosto que o vinho deixa não se pode comparar com o efêmero quebrar das bolhas de champagne.
Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suícidio yoga dança natação coper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora faço o quê?

Caio Fernando Abreu definindo o Fernando que posta agora, que não vai ser o mesmo de depois de "publicar postagem" (assim espero).